Dra. Lia Alves Schinetski, PHD

Interdisciplinaridade Geriatria x Dor Orofacial e Disfunção da ATM

 

 

Esse post é voltado para profissionais de saúde, por isso é escrito com uma linguagem mais técnica. Se você é paciente, cadastre-se no blog e em breve você receberá nosso novo post sobre esse assunto, em uma linguagem mais simples, para leigos. 

 

 

A população brasileira está envelhecendo em um ritmo mais rápido do que a maioria dos países. O estudo mais recente da Organização Mundial da Saúde mostra que o número de brasileiros com mais de 60 anos vai dobrar nas próximas décadas. A pesquisa da OMS concluiu que os novos brasileiros vão viver até os 75anos, mas, com boa saúde, só até os 65 anos.

 

Precisamos estar preparados para atender os idosos e dar apoio às famílias e cuidadores. E é fundamental que o atendimento da população idosa seja constituído por uma equipe multiprofissional, com enfoque interdisciplinar, visando ao bem estar destes pacientes de forma integral.

 

À medida que a população envelhece há aumento da carga de doenças crônico-degenerativas. Muitas destas doenças têm repercussões na cavidade oral e na ATM. Por isso, é importante que o dentista capacitado em Dor Orofacial e DTM faça parte da equipe multiprofissional.

 

Estão listadas abaixo as situações clínicas nas quais o dentista pode auxiliar o geriatra no tratamento dos seus pacientes:

 

 

 

Síndrome fibromiálgica

 

A Síndrome Fibromiálgica requer investigação e tratamento multidisciplinares de planejamento individualizado. As repercussões faciais da fibromialgia são várias: diminuição do fluxo salivar, ardência bucal, disgeusia (alteração ou distorção do sentido do gosto), sensibilidade dentária e bruxismo. A disfunção da ATM é uma das comorbidades mais frequentes nos doentes com Síndrome Fibromiálgica. O dentista especialista em Dor Orofacial pode auxiliar na diminuição da dor e de outros sintomas que diminuem a qualidade de vida destes pacientes1.

 

 

 

Osteoartrose/osteoartrite

 

A ATM pode apresentar osteoartrose em virtude da remodelação articular que ocorre ao longo da vida. Sendo assim, ruídos como estalo e crepitação são comuns e, quando associados à dor devem ser investigados.

 

É possível que, na doença degenerativa, a capacidade dos condrócitos de sintetizar matriz seja afetada pela ação de cargas mecânicas que atuam sobre a ATM, de forma que a degradação da cartilagem excede à formação. Quando a osteoartrose é acompanhada por inflamação aguda, passa a ser chamada osteoartrite. A inflamação por traumatismo ou sobrecarga da mordida se manifesta por dor e limitação funcional da articulação e da mandíbula. Fatores locais (ausência ou condições inadequadas das próteses totais, ausência de dentes posteriores associada a bruxismo, dentre outros) atuam como fatores perpetuantes do processo degenerativo1.

 

 

 

Herpes Zoster Trigeminal

 

Com o aumento da população idosa no Brasil, é importante que os profissionais de saúde estejam atentos para o diagnóstico diferencial, já que o Herpes Zoster aparece com mais frequência nessa população. A incidência de neuralgia pós-herpes zoster é de 29% na faixa etária de 70 a 79 anos e aumenta para 34% na faixa etária acima de 80 anos. O diagnóstico diferencial deve ser feito com neuralgia do trigêmeo, sinusites maxilares, dor facial atípica e inflamação aguda no dente (pulpite)2.

 

De 10 a 25% dos pacientes com herpes zoster, o acometimento é orofacial. Os sinais prodrômicos na face podem confundir com dor de dente e as manifestações podem ser exclusivas na mucosa oral. Na neuralgia pós-herpética o comprometimento da mucosa oral exige controles periódicos da ação das próteses dentárias móveis sobre a mucosa já que frequentemente estes pacientes desenvolvem lesões bucais devido a alterações de sensibilidade e queixam-se de dor. A dor na musculatura mastigatória é uma comorbidade e um fator perpetuante na dor pós-herpética. Cerca de 80% dos doentes apresentam dor miofascial nos músculos da mastigação e anormalidades na ATM3.

 

Alguns anticonvulsivantes e antidepressivos tricíclicos, associados ou não a neurolépticos, são muito utilizados para o tratamento de dor por desaferentação. Apesar do uso de combinações na terapia medicamentosa, o alívio da dor adequado no idoso é difícil sem a presença de efeitos colaterais. Em virtude disso, é importante incluir opções terapêuticas não medicamentosas no plano de tratamento desses doentes4.

 

O dentista especialista em Dor Orofacial pode lançar mão de várias modalidades de tratamento tanto para a mucosa oral, como medicação tópica específica para neuralgia pós-herpética e aplicação de laser, quanto para a musculatura mastigatória, como termoterapia, terapia manual para musculatura, TENS e dispositivos de estabilização oclusal.

 

 

 

Hiposalivação

Ao longo da vida ocorre uma diminuição do fluxo salivar que pode ser intensificada em virtude de uso de medicações (antihipertensivos, antidepressivos, anticonvulsionantes, etc) ou por doenças mais comuns na terceira idade como diabetes e doenças auto-imunes5. Essa perda de saliva faz com que a mucosa oral fique mais sujeita a lesões traumáticas e infecções, e o uso de próteses dentárias contribui para isso.

 

Apesar do conhecimento de que anormalidades orais características da terceira idade, como a hipossalivação existem, pouco se sabe sobre suas repercussões no sistema digestivo. Porém, há indícios de que a digestão fique prejudicada e algias estomacais possam tornar-se mais frequentes quando a manipulação inicial do bolo alimentar na boca não ocorre de maneira satisfatória1.

 

Uso de saliva artificial e de produtos em geral que melhoram a lubrificação oral é necessário e pode aliviar as queixas do idoso.  As infecções presentes devem ser devidamente tratadas, as próteses ajustadas, e a higiene oral reforçada para evitar complicações6.

 

 

 

Síndrome da Ardência Bucal (SAB)

 

SAB é definida como dor em queimação na língua ou em outra mucosa oral. O termo síndrome é utilizado porque muitos pacientes também relatam outros sintomas associados, como xerostomia, alteração de sabor, dor de cabeça, insônia, etc. Dor na ATM, dor ou sensibilidade nos músculos da mastigação, do pescoço, dos ombros e dos supra-hióideos também podem acompanhar a sensação de ardor7.

 

Estes pacientes apresentam menor percepção tátil e térmica devido ao envolvimento de fenômenos neuropáticos na síndrome. Portanto, faz-se necessário o acompanhamento odontológico tanto para as orientações de cuidados preventivos quanto para o reparo de restaurações e próteses deficientes que possam causar lesões por conta da menor percepção sensorial8.

 

Vários estudos mostram que a prevalência da SAB é maior em mulheres que se encontram no período pós-menopausa. É provável que haja uma interação de vários fatores etiológicos, portanto, a abordagem multidisciplinar é a mais indicada pare esses pacientes, que frequentemente não respondem a uma única abordagem farmacológica.

 

 

 

Disfunção Temporomandibular

 

A falta de dentes comum em idosos causa alterações estruturais da oclusão dental, além de contribuir para hábitos parafuncionais, instabilidade das próteses, problemas iatrogênicos, piora na função mastigatória e maior índice de disfunção em relação a pacientes dentados. Todas essas alterações podem se tornar fatores contribuintes para a dor na musculatura mastigatória e para alterações degenerativas na ATM.

 

O tratamento mais indicado para o paciente idoso desdentado com DTM é a Reabilitação Oclusal Funcional, que consiste em primeiramente devolver a dimensão vertical perdida por falta de próteses ou por uso de próteses antigas ou inadequadas. Essa reabilitação primária, que na maioria dos casos é capaz de controlar a dor, é feita com o uso de placas de mordida sobre as próteses ou reembasamento de próteses antigas.

 

Esta etapa permite a adaptação gradual, fisiológica, psicológica e social; auxilia na adesão do paciente ao tratamento e na maior possibilidade de sucesso com futuras próteses novas. Outras medidas terapêuticas para o controle da dor também podem ser necessárias, dependendo do diagnóstico, do tempo da dor, e da condição médica do paciente.

 

Pura e simplesmente trocar próteses totais antigas ou confeccionar novas em pacientes que não as usam há muito tempo pode resultar em insucesso devido às dificuldades naturais de adaptação. Da mesma forma, quando a dor crônica estiver presente, a reabilitação com implantes nem sempre é a melhor conduta1.

 

 

 

Câncer bucal

 

O câncer bucal é comum após os 60 anos e atinge mais os homens. A dor orofacial que não responde de forma favorável aos procedimentos terapêuticos habituais pode ser o primeiro sintoma de neoplasias. Os tumores podem causar odontalgia primária, a exemplo da leucemia (por infiltração linfocitária na polpa ou na estrutura de suporte do dente), ou secundária, como no caso de tumores de cabeça e pescoço ou do tórax.

 

Outro aspecto importante no idoso refere-se aos doentes com câncer de cabeça e pescoço que muitas vezes tem dores bucais derivadas das seqüelas do câncer ou da terapêutica utilizada. O cirurgião dentista deve realizar os procedimentos operatórios necessários, ou pelo menos paliativos para melhorar sua qualidade de vida.

 

Além disso, os cuidados bucais são preventivos. Exames periódicos da cavidade bucal em pacientes que usaram prótese total devem ser feitos rotineiramente e o controle de traumatismos protéticos e de lesões indolores são fundamentais1.

 

 

 

Neuralgia do Trigêmeo

 

A prevalência de inicio de sintomatologia é maior entre a sexta e a oitava década de vida. Apesar de relativamente rara, a neuralgia do trigêmeo apresenta-se em crescimento de incidência diante do envelhecimento da população brasileira1.

 

A Neuralgia do Trigêmio é uma das síndromes dolorosas mais associadas a erros de diagnóstico, já que suas características clínicas podem ser similares àquelas das doenças causadas por anormalidades musculoesqueléticas da face e da mastigação em casos de DTM e de outras afecções orofaríngeas, oculares, nasais, cranianas e occipitais. E a maior dificuldade de diagnóstico diferencial é entre neuralgia e odontalgias, já que muitas vezes a zona de gatilho é a região de um ou mais dentes1.

 

Pacientes com neuralgia do trigêmeo, mesmo quando estão sob controle medicamentoso, costumam ter dor músculo-esquelética devido à repetição de posturas anti-álgicas e frequentemente desenvolvem dor miofascial com pontos de gatilho na região orofacial1.

 

Quando são submetidos à rizotomia para tratamento da neuralgia, os pacientes costumam apresentar comprometimento importante da função mastigatória, com mialgia mastigatória secundária. O tratamento com dentista especialista em Dor Orofacial é fundamental para o sucesso do pós-operatório cirúrgico, principalmente nos primeiros seis meses. O tratamento é realizado com medidas físicas de relaxamento, alongamento e fortalecimento muscular, além de aplicação de laser, TENS e estabilização oclusal, quando necessária.

 

Portanto, nos casos de Neuralgia do trigêmeo, é importante que o dentista faça parte da equipe multidisciplinar para auxiliar desde o diagnóstico, excluindo a hipótese de dor odontogênica, até o pós-operatório cirúrgico.

 

 

 

Referências bibliográficas

  1. Siqueira JT et al. Dores orofaciais: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artes Médicas, 2012.
  2. Tidwell E et al. Herpes zoster of the trigeminal nerve branch: a case report and review of the literature. Int Endod J 1999;32:61-6.
  3. Alvarez FK et al. Evaluation of the sensation in patients with trigeminal post-herpetic neuralgia. J Oral Pathol Med 2007; 36:347-50.
  4. Ahmad M, Goucke CR. Management strategies for the treatment of neurophatic pain in the elderly. Drugs Aging 2002; 19: 929-45.
  5. Islam MN et al. Chronic ulcerative stomatitis: diagnostic and management challenges: four new cases and review of literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2007; 104: 195-203.
  6. Granot M, Nagler RM. Association between regional idiopathic neuropathy and salivary involvement as the possible mechanism for oral sensory complaints. J Pain 2005; 6:581-7.
  7. Gorsky M et al. Clinical characteristics and management outcome in the burning mouth syndrome: an open study of 130 patients. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1991; 72:192-5.
  8. Siqueira SR et al., Somatosensory Investigation of Patients With Orofacial Pain Compared With Controls. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2014; 26:376-81.

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    Comentários

    1. Antonia Silva disse:

      ótimo artigo e site. Parabéns !!!

    2. Buenisimo post. Gracias por publicarlo…Espero màs…

      Saludos

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